Postado em 24 de Setembro de 2021 às 15h05

Atravessando a turbulência

O que a covid-19 tem nos ensinado acerca da saúde mental coletiva

    Autor e poeta brasileiro, Ma?rio Quintana um dia antecipou: “O passado na?o reconhece o seu lugar: esta? sempre presente”. Ao longo da histo?ria, a humanidade atravessou peri?odos conturbados que alteraram permanentemente o curso de nossas vidas, afetando o comportamento coletivo atrave?s das de?cadas.
    Compara?vel a epidemias como a Vari?ola, a Gripe Espanhola e a H1N1, a pandemia de covid-19 nos leva a observar o passado para compreender o inevita?vel no presente: estamos vivenciando as conseque?ncias do estresse emocional ao qual fomos submetidos, e isso se estendera? por um peri?odo temporal indeterminado.
    Isolamento, perda de entes queridos, inseguranc?a e a mente humana como seu pro?prio obsta?culo: como lidar com a sobrecarga que antecede a superac?a?o? O aprendizado e? de fato possi?vel em meio ao caos?
    À PRIMEIRA VISTA
    De acordo com a Organizac?a?o Mundial de Sau?de (OMS), o Brasil e? considerado o Pai?s mais ansioso do mundo. Atualmente, estima-se que a ansiedade atinja mais de 18 milho?es de brasileiros – nu?mero que equivale a mais que o dobro da populac?a?o de capitais como o Rio de Janeiro, por exemplo.
    Hoje, mais de um ano apo?s o ini?cio da pandemia de covid-19 no Brasil, dados referentes ao agravamento de transtornos psicolo?gicos ja? podem ser quantificados e avaliados por profissionais e pesquisadores. Me?dica psiquiatra no setor Univida da Unimed Chapeco?, Dra. Rafaela Pavan, observou algumas mudanc?as. “O que percebemos foi a exacerbac?a?o de sintomas de quem ja? estava em tratamento ou precisava estar em tratamento. Planos de alta acabaram por ser suspensos e quem ja? deveria estar em acompanhamento procurou mais os servic?os”, pontua.
    Fatores de risco ao bem-estar, o isolamento e a reduc?a?o da interac?a?o social direta foram associados a situac?o?es potencialmente prejudiciais a quem apresenta transtornos mentais. As mudanc?as, a imprevisibilidade e o medo recorrente acarretam conseque?ncias a longo prazo.
    Psico?loga cli?nica dos setores de Medicina Preventiva e Servic?o de Atenc?a?o Domiciliar da Unimed Chapeco?, Helena Rodrigues da Silva, destaca o fato de que pandemias e epidemias geram reflexos psicolo?gicos duradouros. “Alguns autores apontam que os impactos na sau?de mental da populac?a?o, apo?s situac?o?es de epidemias, foram mais prevalentes e duradouros que os impactos fi?sicos ou econo?micos”, menciona.
    QUANDO O MEDO ALCANÇA O CORPO
    Sentir-se coagido a “dar conta de tudo” na?o e? mais um sentimento ta?o particular. Estamos so?s, amedrontados e distantes de espac?os antes associados a? socializac?a?o e ao relaxamento. Em suma, estamos distantes, mas nossas emoc?o?es nunca estiveram ta?o pro?ximas.
    Em momentos como este, sinais comuns costumam se manifestar coletivamente. “A principal alterac?a?o que temos visto e? a irritabilidade e a falta de pacie?ncia. Basta observar as pessoas, esta?o, praticamente todas, no limite”, menciona Rafaela. Ale?m disso, a psiquiatra pontua que o agravamento de quadros como a ansiedade, a depressa?o e o estresse po?s-trauma?tico po?de ser observado em pacientes previamente diagnosticados durante o peri?odo de isolamento social.
    Nestas circunsta?ncias, e? comum que o indivi?duo apresente sintomas como o estresse, a apatia, o nervosismo, a solida?o e o medo irracional. Em conjunto, estas disfunc?o?es podem provocar sequelas fi?sicas e emocionais que englobam alterac?o?es de apetite, conflitos familiares, complicac?o?es gastrointestinais e ate? o consumo excessivo de a?lcool ou drogas ili?citas.
    Aos 26 anos de idade, a gestora de pessoas Amanda Oliveira (nome fictício) lida com os sintomas da ansiedade e da depressa?o desde 2014. Os primeiros sinais, que iniciaram aos 18 anos de idade, se manifestaram como uma tristeza irracional. Apo?s a primeira crise de pa?nico, que fez com que a enta?o estudante buscasse amparo profissional, tudo passou a fazer sentido. “Tratei tre?s vezes casos de depressa?o e ansiedade, e os tre?s casos envolveram crises de pa?nico”, compartilha.
    Ale?m disso, Amanda sublinha o fato de que o ini?cio da pandemia de covid-19 afetou diretamente seu psicolo?gico. “No primeiro me?s de pandemia eu ja? senti uma diferenc?a dra?stica na minha piora. No trabalho eu via que na?o conseguia manter o foco por causa da ansiedade, e em casa eu era uma pessoa muito irritada, descontava tudo na minha fami?lia”, conta.
    Mais que sintomas associados ao pro?prio comportamento, a gestora experimentou as conseque?ncias fi?sicas do estresse emocional. Graves e recorrentes, enxaquecas e dores muscula- res limitavam movimentos e impossibilitavam o desempenho de atividades rotineiras.
    O MITO DA AUTOSSUFICIÊNCIA
    Apesar das diferenc?as que nos fazem humanos, uma caracteri?stica em especial nos aproxima da natureza coletiva: somos seres sociais. Em situac?o?es de isolamento, reflexos psi?quicos coletivos sa?o sequelas naturais e expecta?veis.
    De acordo com dados colhidos pela Universidade de Sa?o Paulo (USP), o Brasil classifica-se em primeiro lugar entre os pai?ses com mais casos de depressa?o e ansiedade durante a pandemia. Na internet, pesquisas divulgadas pelo Google Trends apontam que a busca por atendimento psicolo?gico aumentou consideravelmente no u?ltimo ano, ultrapassando 2019 em 30%.
    Bene?fica em qualquer peri?odo da vida, a psicoterapia abrange objetivos variados e adaptados a?s demandas do paciente. Atualmente, contar com apoio profissional para driblar os sentimentos de inseguranc?a e impote?ncia tem sido imprescindi?vel a pacientes como Amanda. “E? muito bom fazer acompanhamento hoje. Eu demorei demais pra procurar ajuda nessa situac?a?o. Eu achei que podia lidar sozinha, que a pandemia na?o estava sendo fa?cil pra ningue?m. Eu deveria ter buscado um profissional logo no ini?cio”, recorda.
    Para a psiquiatra Rafaela, a terapia e? fundamental a? compressa?o de sintomas e sentimentos relacionados. “A terapia vai ajudar basicamente na busca da origem dos sintomas. Mesmo quando ha? necessidade importante de medicac?a?o, aprender a lidar com os sintomas e? essencial”, frisa.
    SE O DIÁLOGO NÃO FOR O BASTANTE
    Mais que pungentes desconfortos emocionais, os transtornos psicolo?gicos consistem em desequili?brios qui?micos cerebrais. Quando a disponibilidade de substa?ncias essenciais ao bem-estar e a? disposic?a?o tornam-se escassas, a recuperac?a?o do paciente pode exigir tratamentos medicamentosos.
    Para a psico?loga Helena, esta necessidade pode ser detectada atrave?s da parceria entre o paciente e um profissional capacitado. “Precisamos nos atentar aos nossos limites individuais. Da mesma forma que identificamos a necessidade de tomar um medicamento para dores de cabec?a quando parecem muito fortes, nosso corpo tambe?m precisa de auxi?lio para lidar com as situac?o?es de alterac?o?es emocionais. Os psicotro?picos possuem um papel bastante importante nessas situac?o?es”, informa.
    “Agora entendo que devia ter comec?ado antes, que eu seria outra pessoa se estivesse tomando o medicamento correto”, conta Amanda, que resistiu a? intervenc?a?o medicamentosa por receio e inseguranc?a. Hoje, a gestora compreende que o uso de psicotro?picos e? natural e bene?fico ao seu quadro. “Eu na?o vejo problema nenhum em utilizar, e eles me fazem bem”, reconhece.
    Apesar de abordados com freque?ncia ao longo da u?ltima de?cada, os transtornos psicolo?gicos ainda sa?o vistos com resiste?ncia – a?s vezes pelos pro?prios pacientes, que levam tempo para pedir ajuda. Pensando nisso, Rafaela enfatiza: “Uma maneira de entender [a necessidade de buscar ajuda] e?: quando comec?a influenciar/atrapalhar a minha vida. Quando o na?o se sentir bem comec?a ser mais frequente que o oposto”.
    Ale?m disso, Helena sinaliza alguns indicadores preocupantes. “Sofrimento intenso e persistente, presenc?a de pensamentos ou comportamentos suicidas, sintomas psico?ticos, abuso de substa?ncias... Devemos nos atentar aos sinais que aparecem nos ‘extremos’ do nosso normal”, alerta a psico?loga.
     
     

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