Postado em 12 de Janeiro de 2023 às 14h37

Epigenética e Trauma

Saiba o que são e como estão relacionados

Dra. Juliana Perizzolo, Médica Psiquiatra, Psicoterapeuta Dinâmica e Cooperada da Unimed Chapecó (Foto: divulgação)

 
Dra. Juliana Perizzolo
Médica Psiquiatra, Psicoterapeuta Dinâmica e Cooperada da Unimed Chapecó
 
As Neurociências têm muito a contribuir para a construção do conhecimento e para a geração de novo en­tendimento do papel do homem em nossa sociedade. Para isso, não basta pro­duzir conhecimento, mas também há a necessidade da divulgação do que se produz, em linguagem mais com­pactada e simples, para que a popu­lação como um todo possa conhecer e acompanhar a evolução da ciência.
Lamarck foi um naturalista fran­cês que no início do século XIX pro­punha que as condições ambientais poderiam influenciar as característi­cas físicas e comportamentais do in­divíduo. Por muito tempo suas ideias foram consideradas ultrapassadas, mas mais recentemente pesquisas no campo da Epigenética têm demons­trado que ele não estava totalmente equivocado. Pensávamos em um pas­sado mais recente em fatores de risco desencadeando doenças, mutações genéticas ocasionando síndromes, mas é um conhecimento relativa­mente novo para a população em ge­ral a ação de outras reações químicas no DNA sem afetar os genes, mas podendo modificar fenótipos nas ge­rações que sofreram algum trauma e nas gerações seguintes.
Atualmente, diz-se que a Epige­nética permite incorporar experiên­cias na expressão do DNA, ou seja, va­riações não-genéticas (epigenéticas) adquiridas durante a vida de uma pes­soa podem passar aos seus descen­dentes, influenciando e determinan­do fenótipos. O termo Epigenética foi cunhado por um biólogo inglês cha­mado Conrad Waddington nos anos 1940, juntando os termos epigênese e genética. A terminologia Trauma em medicina admite vários significados, todos eles ligados a acontecimentos não previstos e indesejáveis que, de forma mais ou menos violenta, atin­gem indivíduos neles envolvidos, pro­duzindo-lhes alguma forma de lesão ou dano.
Há alguns anos, muitas situações traumáticas eram consideradas fa­tor de risco para alterações na saúde física e mental dos indivíduos, mas não se tinha ideia dos mecanismos epigenéticos envolvidos na gênese dos transtornos mentais e das do­enças físicas secundárias ao trauma. E como isso acontece? Estudos rela­cionados com cuidado materno em ratos têm demonstrado a influência do comportamento da mãe em uma medida de estresse na vida pós-natal dos ratinhos, revelando que carac­terísticas relacionadas à dedicação materna – como amamentar e lamber os filhotes – promovem a diminuição na produção de hormônios relaciona­dos ao estresse na vida dos mesmos (cortisol). Podemos então observar o cuidado materno como fator externo (ambiental) determinando a expres­são fenotípica dos filhotes (serem mais ou menos estressados).
Em humanos, estudos mostram níveis de ACTH (adrenocorticotrofina) em resposta ao estresse seis vezes maiores em mulheres que sofreram abuso na infância, quando compara­das a mulheres que não passaram por tal situação. Experiências traumáticas em etapas iniciais da vida predispõem à maior vulnerabilidade a efeitos epi­genéticos do estresse e à depressão na idade adulta, muito parecido com o que ocorre em outras espécies.
Molecularmente, sabemos que a herança epigenética depende de pe­quenas mudanças químicas no DNA e nas histonas (proteínas do núcleo da célula) chamadas, respectivamente, de metilação e metilação/acetilação. A metilação do DNA está relacionada à repressão gênica (o gene fica me­tilado/marcado para não codificar proteínas). Como é um processo em gradação, quanto mais metilado, me­nos ativo é o gene. A metilação não é passageira (o grupo metila tende a permanecer ligado ao DNA mesmo depois que este é copiado durante a divisão celular). A acetilação das his­tonas geralmente tem relação com a ativação gênica e a metilação das mesmas, resulta em inibição. Tudo isso acontece sem alterar as sequên­cias nucleotídicas originais do DNA.
Pode-se dizer que as alterações epigenéticas são primeiramente adaptativas, úteis, mas, às vezes, o custo é muito alto para o indivíduo. Se formos pensar no estudo em ra­tos fica mais fácil de compreender. As mães menos lambedoras tam­bém foram ratinhos com menor cuidado materno e faz sentido que perpetuem filhotes mais estressados e mais atentos em ambientes mais inóspitos.Os ratos menos es­tressados, menos assustados, sobre­viveriam teoricamente com menor frequência em ambiente em que a frequência de predadores é maior, já que isso exigiria uma resposta de alerta mais sensível, com maior ca­pacidade de fuga e melhor habilida­de para se esconder. Os ratos mais estressados, no entanto, podem ter maior capacidade para fuga em am­bientes com muitos predadores, mas têm maior sobrecarga no sistema cardiovascular e no sistema nervoso autônomo, estando mais sujeitos às complicações ligadas a eles, inclusive com alteração em sobrevida.
Em humanos isso também aconte­ce e as situações traumáticas resultam em uma resposta ao estresse variável nos indivíduos, sendo mais exacerbada em indivíduos que já sofreram algum trauma/estresse precoce. Os filhos destes indivíduos podem vir a sofrer consequências traumáticas por duas vias: pelas alterações no comporta­mento dos pais traumatizados, so­frendo precocemente e apresentan­do alterações epigenéticas por isso, e por alterações no filho enquanto feto, já que a linha germinativa pode ter sido exposta antes de gerá-lo ou a exposição pode ter ocorrido en­quanto o filho estava sendo gestado.
As situações traumáticas são então o momento em que podemos enxergar com maior facilidade os resultados da herança epigenética em humanos, já que experimentos desta monta não são possíveis por serem antiéticos (englobam um grau de sofrimento muito grande). Isso se refere a traumas físicos e psíquicos. Em psiquiatria, temos tipos específicos de trauma psíqui­co, que se encontram nos manuais diagnósticos CID-11 e DSM-V, cha­mados transtorno do estresse pós­-traumático e estresse agudo.
O transtorno de estresse pós­-traumático (TEPT/PTSD) e o trans­torno de estresse agudo são marcados por aumento do estresse e da ansieda­de após exposição a um evento trau­mático ou estressante.Esses eventos podem incluir ser testemunha ou estar envolvido em um acidente ou crime violento, combate militar ou agres­são, ser sequestrado, estar envolvido em um desastre natural, ser diagnos­ticado com uma doença com risco de morte ou vivenciar abuso físico ou sexual sistemáticos. A pessoa reage à experiência com medo e impotência, revive persistentemente o acontecido e tenta evitar lembrar-se dele. O even­to pode ser revivido em sonhos e em pensamentos (revivências/flashbacks). O TEPT causa alterações em sistemas neuroendócrinos (opióide, noradrenér­gico e eixo hipotálamo-hipófise-adre­nal), sendo que todos respondem de modo a ficarem hiper-reativos. Essas mudanças ocorrem em determinadas pessoas que geralmente apresen­tam na sua história de vida eventos estressores passados. Outro estudo, demonstra, justamente, que pessoas que passaram por eventos adversos na infância apresentavam uma metilação diversa em um regulador de um recep­tor glicocorticoide, que tem relação com o cortisol e com seu papel junto ao organismo.
Podemos observar trauma inter­geracional nos filhos de alguns so­breviventes do Holocausto, mas tam­bém em filhos de certos veteranos do Vietnã, em populações que passaram por genocídio, limpeza étnica e outras guerras como no Camboja, na Armênia, na Palestina e nas comunidades da Ioguslávia. Esse efeito intergeracional em diferentes grupos sugere uma apli­cabilidade global das considerações epigené­ticas e com necessidade de maior número de es­tudos e observação das situações traumáticas.
O trauma psíquico vem sendo estuda­do de formas diver­sas e a Epigenética é um campo que vem a acrescentar na com­preensão de como ele pode nos afetar en­quanto indivíduos, não só fisiologicamente ou psiquicamente, mas também do ponto de vista molecular, mui­to próximo ao DNA. O alento que temos atualmente tem relação com o fato de que antes achávamos que tudo era determi­nado geneticamente (o aparecimen­to de doenças, sua evolução e sua gravidade), mas que agora temos um novo campo de pesquisa com a Epigenética, que abre outras possi­bilidades para pensarmos em novas formas de prevenção e em novos tratamentos.

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