Dra. Juliana Perizzolo, Médica Psiquiatra, Psicoterapeuta Dinâmica e Cooperada da Unimed Chapecó (Foto: divulgação)
Dra. Juliana Perizzolo
Médica Psiquiatra, Psicoterapeuta Dinâmica e Cooperada da Unimed Chapecó
As Neurociências têm muito a contribuir para a construção do conhecimento e para a geração de novo entendimento do papel do homem em nossa sociedade. Para isso, não basta produzir conhecimento, mas também há a necessidade da divulgação do que se produz, em linguagem mais compactada e simples, para que a população como um todo possa conhecer e acompanhar a evolução da ciência.
Lamarck foi um naturalista francês que no início do século XIX propunha que as condições ambientais poderiam influenciar as características físicas e comportamentais do indivíduo. Por muito tempo suas ideias foram consideradas ultrapassadas, mas mais recentemente pesquisas no campo da Epigenética têm demonstrado que ele não estava totalmente equivocado. Pensávamos em um passado mais recente em fatores de risco desencadeando doenças, mutações genéticas ocasionando síndromes, mas é um conhecimento relativamente novo para a população em geral a ação de outras reações químicas no DNA sem afetar os genes, mas podendo modificar fenótipos nas gerações que sofreram algum trauma e nas gerações seguintes.
Atualmente, diz-se que a Epigenética permite incorporar experiências na expressão do DNA, ou seja, variações não-genéticas (epigenéticas) adquiridas durante a vida de uma pessoa podem passar aos seus descendentes, influenciando e determinando fenótipos. O termo Epigenética foi cunhado por um biólogo inglês chamado Conrad Waddington nos anos 1940, juntando os termos epigênese e genética. A terminologia Trauma em medicina admite vários significados, todos eles ligados a acontecimentos não previstos e indesejáveis que, de forma mais ou menos violenta, atingem indivíduos neles envolvidos, produzindo-lhes alguma forma de lesão ou dano.
Há alguns anos, muitas situações traumáticas eram consideradas fator de risco para alterações na saúde física e mental dos indivíduos, mas não se tinha ideia dos mecanismos epigenéticos envolvidos na gênese dos transtornos mentais e das doenças físicas secundárias ao trauma. E como isso acontece? Estudos relacionados com cuidado materno em ratos têm demonstrado a influência do comportamento da mãe em uma medida de estresse na vida pós-natal dos ratinhos, revelando que características relacionadas à dedicação materna – como amamentar e lamber os filhotes – promovem a diminuição na produção de hormônios relacionados ao estresse na vida dos mesmos (cortisol). Podemos então observar o cuidado materno como fator externo (ambiental) determinando a expressão fenotípica dos filhotes (serem mais ou menos estressados).
Em humanos, estudos mostram níveis de ACTH (adrenocorticotrofina) em resposta ao estresse seis vezes maiores em mulheres que sofreram abuso na infância, quando comparadas a mulheres que não passaram por tal situação. Experiências traumáticas em etapas iniciais da vida predispõem à maior vulnerabilidade a efeitos epigenéticos do estresse e à depressão na idade adulta, muito parecido com o que ocorre em outras espécies.
Molecularmente, sabemos que a herança epigenética depende de pequenas mudanças químicas no DNA e nas histonas (proteínas do núcleo da célula) chamadas, respectivamente, de metilação e metilação/acetilação. A metilação do DNA está relacionada à repressão gênica (o gene fica metilado/marcado para não codificar proteínas). Como é um processo em gradação, quanto mais metilado, menos ativo é o gene. A metilação não é passageira (o grupo metila tende a permanecer ligado ao DNA mesmo depois que este é copiado durante a divisão celular). A acetilação das histonas geralmente tem relação com a ativação gênica e a metilação das mesmas, resulta em inibição. Tudo isso acontece sem alterar as sequências nucleotídicas originais do DNA.
Pode-se dizer que as alterações epigenéticas são primeiramente adaptativas, úteis, mas, às vezes, o custo é muito alto para o indivíduo. Se formos pensar no estudo em ratos fica mais fácil de compreender. As mães menos lambedoras também foram ratinhos com menor cuidado materno e faz sentido que perpetuem filhotes mais estressados e mais atentos em ambientes mais inóspitos.Os ratos menos estressados, menos assustados, sobreviveriam teoricamente com menor frequência em ambiente em que a frequência de predadores é maior, já que isso exigiria uma resposta de alerta mais sensível, com maior capacidade de fuga e melhor habilidade para se esconder. Os ratos mais estressados, no entanto, podem ter maior capacidade para fuga em ambientes com muitos predadores, mas têm maior sobrecarga no sistema cardiovascular e no sistema nervoso autônomo, estando mais sujeitos às complicações ligadas a eles, inclusive com alteração em sobrevida.
Em humanos isso também acontece e as situações traumáticas resultam em uma resposta ao estresse variável nos indivíduos, sendo mais exacerbada em indivíduos que já sofreram algum trauma/estresse precoce. Os filhos destes indivíduos podem vir a sofrer consequências traumáticas por duas vias: pelas alterações no comportamento dos pais traumatizados, sofrendo precocemente e apresentando alterações epigenéticas por isso, e por alterações no filho enquanto feto, já que a linha germinativa pode ter sido exposta antes de gerá-lo ou a exposição pode ter ocorrido enquanto o filho estava sendo gestado.
As situações traumáticas são então o momento em que podemos enxergar com maior facilidade os resultados da herança epigenética em humanos, já que experimentos desta monta não são possíveis por serem antiéticos (englobam um grau de sofrimento muito grande). Isso se refere a traumas físicos e psíquicos. Em psiquiatria, temos tipos específicos de trauma psíquico, que se encontram nos manuais diagnósticos CID-11 e DSM-V, chamados transtorno do estresse pós-traumático e estresse agudo.
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT/PTSD) e o transtorno de estresse agudo são marcados por aumento do estresse e da ansiedade após exposição a um evento traumático ou estressante.Esses eventos podem incluir ser testemunha ou estar envolvido em um acidente ou crime violento, combate militar ou agressão, ser sequestrado, estar envolvido em um desastre natural, ser diagnosticado com uma doença com risco de morte ou vivenciar abuso físico ou sexual sistemáticos. A pessoa reage à experiência com medo e impotência, revive persistentemente o acontecido e tenta evitar lembrar-se dele. O evento pode ser revivido em sonhos e em pensamentos (revivências/flashbacks). O TEPT causa alterações em sistemas neuroendócrinos (opióide, noradrenérgico e eixo hipotálamo-hipófise-adrenal), sendo que todos respondem de modo a ficarem hiper-reativos. Essas mudanças ocorrem em determinadas pessoas que geralmente apresentam na sua história de vida eventos estressores passados. Outro estudo, demonstra, justamente, que pessoas que passaram por eventos adversos na infância apresentavam uma metilação diversa em um regulador de um receptor glicocorticoide, que tem relação com o cortisol e com seu papel junto ao organismo.
Podemos observar trauma intergeracional nos filhos de alguns sobreviventes do Holocausto, mas também em filhos de certos veteranos do Vietnã, em populações que passaram por genocídio, limpeza étnica e outras guerras como no Camboja, na Armênia, na Palestina e nas comunidades da Ioguslávia. Esse efeito intergeracional em diferentes grupos sugere uma aplicabilidade global das considerações epigenéticas e com necessidade de maior número de estudos e observação das situações traumáticas.
O trauma psíquico vem sendo estudado de formas diversas e a Epigenética é um campo que vem a acrescentar na compreensão de como ele pode nos afetar enquanto indivíduos, não só fisiologicamente ou psiquicamente, mas também do ponto de vista molecular, muito próximo ao DNA. O alento que temos atualmente tem relação com o fato de que antes achávamos que tudo era determinado geneticamente (o aparecimento de doenças, sua evolução e sua gravidade), mas que agora temos um novo campo de pesquisa com a Epigenética, que abre outras possibilidades para pensarmos em novas formas de prevenção e em novos tratamentos.
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