ENTRE ONÇAS E CORUJAS: AS MÃOS QUE MANIFESTAM A FLORESTA
Na Exposição Sinta o Sul, no Rio de Janeiro, o artesão Aniceto Ferreira, de Chapecó (SC), leva a alma do seu povo e o sussurro da mata atlântica às galerias urbanas, celebra a arte como sustento, memória e resistência.
Mãos que moldam a floresta cada talhe é um gesto de memória e resistência.
Por entre veios de madeira e silêncios da mata, nasce a arte de Aniceto Ferreira. Em cada curva entalhada, em cada fibra moldada pela paciência, há uma história que não se ouve, mas que se sente com o coração. Foi essa narrativa silenciosa, moldada por décadas de ofício, que cruzou fronteiras geográficas e simbólicas para ecoar no coração do Rio de Janeiro, na exposição Sinta o Sul.
Aniceto Ferreira, artesão indígena do povo Guarani, vive e trabalha em Chapecó, no oeste catarinense. Produz suas peças na Aldeia Arapoty (que significa flor do dia). O território mesmo de domínio Kaingang, da comunidade Toldo Chimbangue, foi cedido para o povo Guarani que chegou no ano de 2020. Aniceto começou ainda menino, aos 13 anos, a moldar madeira. A primeira peça? Uma onça. Não por acaso: símbolo de força e agilidade, a onça pintada é uma das presenças mais recorrentes em sua arte, ao lado das corujas, guardiãs dos mistérios noturnos "faço por prazer, mas foi com o artesanato que consegui sustentar minha família por quase toda a vida", diz ele, com a serenidade de quem vive em compasso com o tempo da natureza.
MEMÓRIA, MATÉRIA E ESPÍRITO
Aniceto trabalha em casa, ao lado da esposa. O que para muitos poderia parecer limitação, para ele é potência, vê o lar como extensão do território sagrado, onde mãos e corações compartilham a mesma matéria-prima do amor e da ancestralidade. Mas ele não trabalha com qualquer madeira. Com respeito profundo à floresta e ao equilíbrio ambiental, utiliza apenas espécies específicas, coletadas de maneira consciente. “Tenho cuidado com o meio ambiente. A natureza tem seu tempo e a gente precisa saber ouvir”, conta.
Seu trabalho é visual e espiritual. Cada peça carrega a energia de sua origem: a floresta, o povo, a memória. Os olhos das corujas que ele talha parecem conter o silêncio das madrugadas na aldeia. Os corpos das onças trazem a tensão da caça e a dignidade do felino que caminha sem pressa, como quem conhece todos os segredos da terra.
Na Aldeia Arapoty há muita potência artística, além do artesanato em madeira, o povo Guarani produz cestaria e artesanato em miçangas. A arte vibra com seu coral e música, com os filmes premiados nacionalmente e internacionalmente e com as artes visuais por meio da pintura.
A FLORESTA EXPOSTA NAS PAREDES DO MUNDO
Ter seu trabalho exposto no Rio de Janeiro foi um marco “fiquei muito feliz, uma satisfação muito grande. A gente sente que está sendo visto”, disse Aniceto. A mostra Sinta o Sul reúne artistas do sul do Brasil com trajetórias profundamente ligadas ao território, e, Aniceto, é um dos nomes que mais sensibilizam os visitantes. Ao lado de obras contemporâneas, suas peças têm o poder de parar o tempo, ali, em meio ao concreto e à pressa da cidade, suas esculturas convocam um outro ritmo — o da escuta, da contemplação, da floresta que ainda pulsa.
À frente de todo o processo para viabilizar a exposição do trabalho esteve a curadora, consultora credenciada ao Sebrae/SC e especialista em cultura e criação, Silvia Baggio. Ela foi responsável por coordenar equipes, ministrar oficinas de capacitação e orientar o desenvolvimento dos produtos. O Sebrae/SC desempenhou um papel fundamental nesse percurso, atuou como um agente de transformação ao oferecer não apenas ferramentas de mercado, mas também ao compreender e ajustar conhecimentos às necessidades da comunidade.
RESISTIR COM ARTE
Atualmente, ser um artesão indígena no Brasil não é tarefa simples. As dificuldades vão além da criação, faltam materiais, apoio, políticas públicas e valorização. “Os desafios são muitos. Perda de matéria-prima, desvalorização do artesanato... só quero que se valorize mais os artesãos. Todos nós”, desabafou ele.
As palavras de Aniceto ecoam como um social coletivo. O seu trabalho não é só dele — é de uma memória coletiva, um canto ancestral que se transmite pelas mãos. Quando a onça toma forma, quando a coruja ganha olhos, algo mais profundo acontece e o povo Guarani se afirma como parte viva do presente, não como página de um livro escolar, mas como artistas, mestres, cuidadores da Terra.
O TEMPO DA MADEIRA
Aniceto aprendeu cedo que a madeira tem seu próprio tempo. Não se pode forçá-la. É preciso ouvir. Da mesma forma, seu trabalho nos ensina que a arte verdadeira também tem seu tempo e sua força. Não se trata de moldar para vender, mas de moldar para preservar.
Na Exposição Sinta o Sul, ele não apenas apresenta esculturas — ele oferece mundos. E talvez, ao final da visita, os olhos de uma coruja esculpida em madeira possam nos ensinar a enxergar mais fundo, ou, quem sabe, a onça que repousa em silêncio nos convide a caminhar com mais leveza, como quem sabe que o verdadeiro valor não se mede com cifras, mas com respeito. Aniceto Ferreira veio do sul com suas mãos de floresta, e agora, no Rio, deixa seu rastro como a onça que pisa firme, mas sem ruído — uma presença que jamais se apaga.
ONDE O GUARANI ENCONTRA O SEBRAE, A ARTE GANHA CAMINHOS
Na travessia entre o tekoá — o lugar onde se é, onde se vive em comunidade — e os grandes centros urbanos, há uma ponte a ser construída com arte, ancestralidade e apoio institucional. A exposição Sinta o Sul, realizada com o suporte do Sebrae, uma ação que não apenas leva a arte indígena a novos territórios, mas reconhece o valor econômico e cultural dos artesãos como Aniceto Ferreira, de Chapecó (SC).
Para Aniceto, que cresceu entalhando madeira com sabedoria herdada dos mais velhos, participar de uma exposição no Rio de Janeiro representa não apenas um reconhecimento individual, mas a presença viva do povo Guarani em um espaço muitas vezes inacessível. O Sebrae, ao fomentar iniciativas como essa, atua como elo entre tradição e mercado, garante que a arte indígena não seja vista como “folclore”, mas como expressão contemporânea com valor simbólico e comercial.
Esse encontro entre o saber tradicional e as ferramentas modernas de empreendedorismo respeita o tempo da floresta e o tempo da cultura. É assim que o artesanato de Aniceto atravessa o Brasil: com os pés fincados na terra e os olhos voltados para o futuro, onde ser indígena, ser artista e ser empreendedor caminham juntos. Há memória, há luta, há um povo inteiro que respira por meio das mãos de pessoas como Aniceto. Essa travessia na exposição Sinta o Sul mostra que arte indígena é resistência, é modo de existir, é ponte entre mundos.
Ao ver uma onça ou uma coruja moldada por ele, não vemos apenas um animal, mas um pedaço da mata que sobrevive, um gesto ancestral que persiste apesar das perdas. E talvez esse seja o verdadeiro ensinamento de sua arte que mesmo quando tudo parece ser levado pelo vento do esquecimento, ainda há raízes profundas, belas e silenciosas que sustenta o chão por onde caminhamos.
SOBRE O SEBRAE/SC
O Sebrae/SC comemora, em 2025, 53 anos de dedicação ao fortalecimento dos pequenos negócios e ao fomento do empreendedorismo em Santa Catarina. Com presença em todas as regiões do Estado, a instituição oferece soluções que impulsionam o desenvolvimento econômico e social, apoiando milhões de empreendedores ao longo de sua trajetória. Reconhecido nacionalmente, o Sebrae é hoje a 4ª marca mais valiosa do país, com um ativo de R$ 33,9 bilhões, reflexo de sua credibilidade, impacto e compromisso com a transformação dos territórios onde atua. Em Santa Catarina, o Sebrae é parceiro estratégico de quem faz o estado crescer.
A onça vigia silenciosa símbolo de força, guardiã da mata nas paredes da aldeia.
Casa de barro e madeira o lar como extensão do território sagrado.
Em torno do fogo, histórias e saberes ancestrais aquecem a Aldeia Arapoty.
Flores pintadas em madeira a beleza da floresta eternizada nas portas da aldeia.
Entre faíscas e talhes, a madeira ganha vida pelas mãos de Aniceto.
Pausa à beira do fogo o tempo da natureza ensina a ouvir e a respeitar.
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