Entre linhas e penas: a arte bordada do Sul que voa até o Rio
Uma artesã de Chapecó transforma fios em poesia e representa o Sul do Brasil na Exposição “Sinta o Sul”, no Rio de Janeiro.
Do Paraná, um voo bordado de memória e floresta. Trabalho de representação da Gralha-Azul, símbolo paranaense (Foto: Arquivo Pessoal).
No silêncio delicado de cada ponto bordado, há um mundo inteiro de histórias, memórias e raízes. Graziele Simone Boscatto Zanchetta, de 46 anos, mora em Chapecó, no oeste de Santa Catarina, é a artista por trás da marca Grazie Di Art. Ela transforma linhas em sentimentos, tecidos em natureza e borda à mão aquilo que as palavras, muitas vezes, não conseguem dizer. Agora, sua arte voa alto: cinco aves bordadas quase em tamanho real compõem sua participação na exposição “Sinta o Sul”, no Rio de Janeiro — uma mostra que celebra as expressões artísticas do Sul do país. Dessas cinco aves bordadas, três delas representam os símbolos de seus Estados: Paraná, com a Gralha Azul, Santa Catarina com a Araponga e Rio Grande do Sul com o Quero-Quero.
Além disso, alguns acessórios produzidos também estão à venda para os visitantes na loja do CRAB. As peças foram inspiradas nas formas, cores e penas das aves que são símbolos do Sul do Brasil.
DE BIÓLOGA A BORDADEIRA: UMA VIDA COSTURADA POR AFETOS E DESCOBERTAS
A história de Grazie, como é carinhosamente chamada, é costurada desde cedo pelas mãos da infância. Filha de uma tradição familiar em que a manualidade era parte do cotidiano — entre agulhas, fios, tricôs e partituras de piano —, ela percorreu muitos caminhos antes de fincar raízes definitivas no bordado livre. A arte sempre esteve presente, mesmo quando escolheu ser bióloga, mas foi na pandemia, em 2020, que um novo capítulo foi tecido. “Transformei o bordado em profissão e em cura. Bordar era uma prática terapêutica e virou minha vida”, disse Grazie.
Hoje, ela dedica-se quase em tempo integral ao ateliê que mantém em casa. Atende sob encomenda, ministra oficinas presenciais em Chapecó e ainda encontra tempo para ensinar a técnica em cursos, workshops e encontros criativos. O perfil “graziediart” nas redes sociais é seu principal canal de divulgação — um jardim digital, onde cada post carrega flores, folhas, aves e texturas de alma.
UM NINHO DE RAÍZES ALEMÃS E ITALIANAS
Grazie carrega em suas mãos o legado de gerações. De avós, pais e tias herdou a paixão pela arte manual — um saber que não se aprende em tutoriais, mas na convivência e no afeto. “As meninas da minha infância aprendiam essas artes em casa, na escola, no contraturno escolar. Cresci admirando os painéis bordados em talagarça da minha tia-avó. Aquilo me encantava”, disse.
Atualmente, essas lembranças viraram memórias afetivas bordadas. Suas peças são carregadas de história, de ancestralidade e de significados. “Há muito valor no tempo dedicado a produção manual. É energia vital, é amor pelos detalhes”.
SUSTENTABILIDADE: O BORDADO COMO ATO DE RESISTÊNCIA
Mais do que beleza, Grazie busca consciência. Seu trabalho é também uma resposta ao consumo acelerado do mundo moderno. Usa principalmente fibras naturais como algodão, linho, rattan e lã — e reutiliza sobras do próprio ateliê: fitas, tecidos e rendas.
Para ela, bordar à mão é um ato ecológico. “É slow fashion, é design atemporal. É dar nova vida a peças esquecidas. É respeitar a natureza e honrar o que se tem”.
AVES BORDADAS COM ALMA
Foi esse respeito pela vida e pelo detalhe que levou a artista ao “Sinta o Sul”. Convidada pela especialista em cultura e criação, Silvia Baggio, Grazie aceitou o desafio de representar o Sul com cinco aves simbólicas, bordadas em tamanho quase real. A mostra é fruto de uma iniciativa inédita realizada em colaboração entre o Sebrae Santa Catarina, Sebrae Paraná, Sebrae Rio Grande do Sul e CRAB.
“Esse processo foi intenso. Pesquisei cada espécie, estudei as penas, as formas, as cores. Usei técnicas sustentáveis com fios, lãs, tecidos e fitas. Horas e mais horas de criação. Mas quando vi o resultado, soube: ali estavam minhas asas” disse Grazie, emocionada e em tom orgulhoso do trabalho que concluiu.
Cada ave bordada é uma obra de arte em si. Texturas que simulam penugens, volumes que sugerem movimento, cores que parecem pulsar. Um voo poético pelas matas e céus do Sul.
BORDAR SENTIMENTOS, CELEBRAR HISTÓRIAS
Grazie não borda apenas imagens: borda memórias. Suas encomendas costumam ser histórias transformadas em tecido — lembranças de aniversários, nascimentos, casamentos. O primeiro passo é questionar, ouvir e imaginar. Com isso, é possível bordar sentimentos e transformar o intangível em beleza visível. Elo entre o que se vive e o que se sente. Quando a peça final é entregue, o retorno costuma ser emocionante.
DESAFIOS DE QUEM FAZ ARTE COM AS MÃOS
Apesar do sucesso, Grazie enfrenta as dificuldades comuns a muitos artesãos brasileiros, trabalha sozinha e cuida de tudo: produção, atendimento, logística e redes sociais, o que exige muito tempo e dedicação. Além disso, há a desvalorização frente à produção industrial.
“Muitos não entendem o valor de um bordado feito à mão. Comparam com peças baratas e prontas. Mas o artesanal é único, tem alma. E isso precisa ser mais reconhecido”, disse.
UM CONVITE AO SENTIR
No fim, o que Grazie anseia é que suas peças toquem as pessoas. Cada ponto é uma pausa, um sussurro do coração. O real desejo da artesã, é que ao ver seu trabalho, as pessoas se permitam sentir, contemplar, se emocionar. Que descubram que a arte feita à mão tem poder de curar, de inspirar, de transformar.
Para ela, a participação no “Sinta o Sul” é mais do que uma conquista profissional: é um marco de vida, a concretização de um sonho em forma de reconhecimento de seu trabalho e de sua trajetória.
"Cada bordado é um espelho de mim mesma e de quem o contempla. Espero que desperte em cada pessoa o amor pelas produções artesanais e a beleza daquilo que não se mede em tempo, mas em sentimento", concluiu Grazie.
Penas que contam histórias e vestem sentimentos (Foto: Arquivo Pessoal).
No silêncio da linha, um mundo ganha forma (Foto: Arquivo Pessoal).
Rio Grande do Sul, bordado em coragem e raízes de um Quero-Quero (Foto: Arquivo Pessoal).
Um toque de natureza na sombra do dia (Foto: Arquivo Pessoal).
Afeto bordado para vestir a alma (Foto: Arquivo Pessoal).
Memórias que florescem entre fios e contas (Foto: Arquivo Pessoal).
Da mata atlântica ecoa sua voz cristalina — e nas mãos de Grazie, a Araponga canta em fios. (Símbolo em Santa Catarina conhecida pelo canto). (Foto: Arquivo Pessoal)
Em cada vermelho vibrante, um chamado à beleza selvagem do litoral sul (Foto: Arquivo Pessoal).
Como um pincel da floresta, a Saíra Sapucaia colore o ar com poesia e leveza. A pequena ave multicolorida traduz a exuberância da fauna brasileira (Foto: Arquivo Pessoal).
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